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O Cânon Bíblico

  • Foto do escritor: ocatecumeno
    ocatecumeno
  • 14 de set. de 2021
  • 10 min de leitura

Atualizado: 15 de dez. de 2021

São os livros aceitos pela Igreja como inspirados e revelados por Deus. Dentro das traduções ou escritas mais antigas temos as línguas aramaico, hebraico e grego. Não há mais o original de cada livro, a humanidade tem em posse hoje apenas cópias, que era a forma de se preservar os escritos nas condições tecnológicas da época. Se estima que o antigo testamento tenha iniciado, enquanto livros escritos, há 1500 anos a.C com os chamados Pentateucos de Moisés (Gênesis, Êxodo, Levíticos, Números e Deuteronômios).

Porém não foram apenas os livros que hoje são tidos por inspirados que foram escritos, há dezenas de outros livros que tiveram sua canonicidade rejeitada, os chamados apócrifos. Tanto no novo quanto no velho testamento. Como o cristão pode identificar qual livro é ou não inspirado por Deus para a revelação e doutrina de fé? Comecemos pois conhecendo resumidamente sobre a formação na “era” primitiva da Igreja e em qual momento se definiu o cânon.


No fim do século I e início do século II ocorreu o concílio de Jâmnia, uma reunião rabínica judaica, que definiu quais livros eram inspirados de acordo com a tradição judaica e a Torah. Também em resposta ao cristianismo que crescia muito por meio de judeus e, naturalmente, os rabinos pretendiam preservar a sua religião e combater em seu meio aquela "heresia" que tanto os ameaçava. Neste concílio foram definidos por canônicos 39 livros: Gênesis, Êxodo. Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Isaías, Jeremias, Lamentações de Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Os cristãos porém utilizavam a versão da septuaginta, a qual possuía os sete livros deuterocanônicos (livros canonizados posteriormente dos demais) do antigo testamento presentes na bíblia católica: Sabedoria, Eclesiástico, Judite, Tobias, 1 Macabeus, 2 Macabeus e Baruc. Totalizando assim 46 livros atualmente. Além de muitos outros livros, tidos como apócrifos. A septuaginta era a versão dos setenta, que segundo uma lenda muito difundida que dá nome a obra, 72 eruditos judeus (6 de cada tribo israelita) traduziram o velho testamento da língua hebraica para o grego koiné. Porém, como foi dito, havia diversos outros livros na versão da septuaginta (em latim simplificada LXX). Esta é a versão mais antiga que temos do grego, datada entre os séculos III a.C e I a.C.

Por cerca de 30 anos a Igreja evangelizou sem qualquer possibilidade de documentos do novo testamento em mãos, afinal eles nem haviam ainda sido escritos. O primeiro livro, Tessalonicenses, do novo testamento viria a ser escrito por Paulo no ano 51 d.C e o primeiro evangelho, de Marcos, viria a ser escrito por volta do ano 60 (Marcos não conviveu com Jesus, porém ouviu tais relatos do apóstolo Pedro). Portanto a tradição oral permaneceu e permanece ainda hoje sendo de extrema valia para o cristão, tal como era e é para o judeu, 2 Tessalonicenses 2:15 “Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa”.


Foram inúmeros aqueles que tinham por inspirados, livros da época do novo testamento, que na verdade eram livros apócrifos. Orígenes, grande nome no cristianismo, por exemplo, tinha o Pastor de Hermas como inspirado. A carta de Clemente de Roma aos coríntios e a Didaqué são outro exemplo de livros tidos por inspirados por muitos cristãos e amplamente difundidos na Igreja. Um mestre na filosofia, de intelecto respeitado, um cristão de invejar, bem próximo da era dos apóstolos, todavia não podia definir o cânon. Haviam até mesmo livros produzidos por seitas como o Gnosticismo que pretendia validar sua heresia em virtude de sua "escritura".

Então como se deu a definição do cânon do cristão? É preciso voltarmos a outro tema, quem possui autoridade para afirmar o que é inspirado e o que não é? É necessário partir de uma autoridade que confirma isto. Já me deparei com diversas correntes, aquelas que reconhecem a tradição judaica ou a protestante a partir dos reformadores. Temos aquelas que reconhecem apenas a si mesmo como tal, crendo que o Espírito Santo lhe revela não só a interpretação mas também quais os livros são sagrados e revelados (canonizando para si os livros como o de Enoque e crendo em gigantes e nefilins de quilômetros de altura). Aqueles que fazem um misto de tudo. Desigrejados que interpretam e compreender a bíblia pelo próprio crivo individual, de acordo com o que lhe convêm em seu entendimento. São inúmeras as alternativas, a pergunta correta é: Cristo nos deixou algo que nos demonstrasse qual é a Escritura Sagrada? Tanto do antigo testamento já escrito quanto do novo testamento que ainda viria a ser Jesus nos deixou sem um norte, sem uma direção, sem uma base à mercê de nosso intelecto e esforço para reconhecer o cânon e interpretar os textos? Teria Cristo sido desleixado com algo tão importante e crucial para a fé judaica e posteriormente para a fé cristã como a definição das escrituras? Felizmente não, Ele nos deixou a Igreja como autoridade para tal, o próprio Cristo instituiu a Igreja e a organizou nos apóstolos (recomendo leitura do post https://www.ocatecumeno.com/post/existe-uma-igreja-verdadeira). Ora, na tradição judaica era a alta cúpula sacerdotal que tinha autoridade para a interpretação e também para sacralidade dos escritos. Isso é essencial para a unidade da religião, para a solidificação da doutrina, para a permanência da fé. Permitindo que a religião se expanda e permaneça universalmente com a mesma fé e doutrina, afinal, Cristo nos ensina a verdade e nada além dela. Dessa forma, ainda que possam existir opiniões individuais, o que prevalece é a decisão final da Igreja. Mais especificamente o que prevalece é a decisão do Magistério da Igreja. Como observamos já no Concílio de Jerusalém (Atos 15) onde Pedro, Tiago e João chamados de colunas da Igreja por Paulo (Ga 2.9) regem o concílio composto pelos apóstolos e anciãos. E Pedro exerce sua liderança neste concílio, como príncipe dos apóstolos. Os apóstolos transmitem esta autoridade aos seus sucessores na Igreja, o que chamamos de sucessão apostólica. Claramente é a liderança da Igreja que define a verdadeira fé, o verdadeiro ensino de Cristo e não outra pessoa qualquer que seja ou grupo de pessoas que tomam para si a interpretação das escrituras ou a dianteira da fé fora da autoridade apostólica, fora da direção da Igreja, fora do Magistério, fora da orientação de Cristo. É ela que sendo o “sustento da verdade” (1 Tm 3,15) e portadora das “chaves que ligam e desligam” (Mt 16,18), tem autoridade para definir quais livros devem ou não estarem presentes na escritura pois é o próprio Espírito Santo que a orienta enviado por Nosso Senhor. Nos primeiros dois séculos após a morte de Cristo, houve uma grande quantidade de livros apócrifos (evangelho de Maria Madalena, Atos de Pedro, Atos de Paulo, Evangelho de Tomé, Evangelho de Tiago etc) e foi a Igreja que definiu os 46 livros do antigo testamento e os 27 livros do novo testamento como sagrados, sendo o NT aceito pelos protestantes. Não é apenas o antigo testamento que possui livros deuterocanônicos, no novo testamento temos: Hebreus, Tiago, II Pedro, II e III João, Judas, Apocalipse de João e trechos como a famosa perícope da adúltera João 7.53 a 8.1-11. Deuterocanônicos são os livros aceitos posteriormente, pois se fez necessário um período maior de debate e estudo para concluir sua sacralidade. Diferentemente dos demais que foram definidos com certa facilidade. No século IV todo o cânon já estava definido assim como o é hoje na Igreja Católica.

O Espírito Santo age na Igreja, não apenas em um indivíduo, mas no Corpo de Cristo instituído e preparado por Jesus para proclamar “um só corpo e um só espírito”, “uma só esperança”, “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” Ef 4.4-5 para a catolicidade ou universalidade da fé. Para que esta realidade seja possível é imprescindível que exista uma instituição física, não simplesmente espiritual, como toda ação de Cristo para nós se dá no plano físico e espiritual. Sem uma autoridade legítima sobre as escrituras o homem estaria fadado ao subjetivismo, refém de múltiplas e infindáveis interpretações que acabam por lhe afastar da verdade. O que infelizmente é uma prática comum em nosso tempo, qualquer pessoa interpreta as escrituras de acordo com sua própria individualidade, manipulando as escrituras segundo sua própria satisfação pessoal. É o cristianismo selfservice. Isto no próprio meio cristão que deveria guardar a fé. Todavia, Cristo já definiu que a Igreja seria esta guardiã da verdadeira fé. Não um indivíduo em particular mas a Igreja Católica, Corpo de Cristo, edificada sobre a pedra que é Pedro nosso primeiro papa em Roma. Sem a Igreja não existe unidade, não existe Efésios 4. Santo Agostinho declarou em sua disputa contra os maniqueus: “Eu não creria no evangelho se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica.”


A Igreja Católica define o cânon bíblico, de acordo com a tradição cristã, apostólica. Onde cada palavra expressa duas características: a revelação (o pensamento de Deus que transmite uma mensagem ao homem) e a inspiração (a forma com que a pessoa manifesta o pensamento de Deus usando o critério do que está ao seu redor). Para ser classificado como divinamente inspirado os livros tiveram que responder a 03 itens:

  1. foram escritos com a autoridade apostólica - a pessoa não o escreve pela fama, mas inspirado se entregando como instrumento ativo nas mãos de Deus;

  2. a ortodoxia do escrito - a verdade revelada, nenhuma palavra da bíblia está sujeita a uma livre interpretação pessoal humana. O livre exame bíblico não é bíblico. 2 Pedro 1.20 “Porém, antes de mais nada, entendei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular” e 1 Coríntios 1.10-13 “Eu vos rogo, irmãos, em nome de Jesus Cristo, que faleis todos uma mesma coisa e que não haja entre vós divisões, para que estejais perfeitamente unidos em uma mesma mente e em um mesmo parecer, porque fui informado que (…) há contendas entre vós; quero dizer que cada um proclama: ‘eu sou de Paulo’; ‘eu, de Apolo’; ‘eu, de Cefas’; ou ‘eu, de Cristo’. Por acaso Cristo está dividido?”;

  3. a catolicidade do escrito - a universalidade, ou seja, a palavra de Deus vale para todos lugares do mundo e ensina a mesma fé. Todo lugar possui a mesma doutrina divina.


A Igreja tem por grande estima a versão hebraica que é também aceita como inspirada, apesar de incompleta. Porém o cristão utilizava a Septuaginta, inclusive os apóstolos. Das 350 citações do antigo testamento no novo testamento, pelo menos 300 delas têm origem na versão da Septuaginta. Em Mateus 4.4 quando Cristo responde ao diabo no deserto fazendo referência a Deuteronômio 8.3, só há concordância verbal nesta passagem pelo entendimento cristão na versão da LXX, não na judaica. Também os cristãos que sucederam os apóstolos, ou seja, os discípulos dos apóstolos utilizavam esta versão. Os bispos e mártires que sucederam os apóstolos na Igreja também utilizavam esta versão. E nela é perceptível a interpretação e o entendimento dos cristãos da tão venerada igreja primitiva.

Dois concílios da Igreja definiram os livros que temos em nossas bíblias: Hipona (393 d.C.) e Cartago (397 d.C). Então, por cerca de quase 400 anos, o cristão não tinha uma definição exata dos livros inspirados por Deus, ainda que todos eles já estivessem dentro da tradição e fossem usados por toda parte. Havia essa deficiência de certeza, porém é fato que isto não fez com que a Igreja se perdesse, a sã doutrina prevalecia sobre toda heresia que se utilizava dos escritos apócrifos e também canônicos para se justificar.

Evidentemente o entendimento do judeu difere do cristão quanto a interpretação das escrituras e consequentemente quanto a canonicidade dos livros. O judaísmo foi a religião da antiga aliança, que aguardava a vinda do Messias. Mas agora, já não é a religião verdadeira. Pois o Messias, Cristo Jesus, já veio e agora Ele é a religião, Ele que nos une a Deus, não a Lei. Ele instituiu a Igreja, está presente e vive nela. A Igreja é Cristo na terra.

Há diversas sutilezas na linguagem e na escrita da septuaginta que na versão hebraica do concílio de Jâmnia não podem ser compreendidas nem encontradas. Fazendo com que o texto assuma uma característica puramente judaica/farisaica e não cristã. A título de pesquisa e curiosidade seguem algumas citações dos livros deuterocanônicos ou da versão LXX no novo testamento:


São Paulo (55 a 58 d.C)

1 Cor 10.10-11 e Jd 8.23-25

1 Cor 2.7 e Sb 9.9

Rm 10.5-6 e Ecl 24 / Br 3.29

São Tiago (62 d.C ou fim do século II)

Tg 3.5-6 e Ecl 28.15-30

Epístola aos Hebreus (67 d.C)

Hb 1.3 e Sb 7.26-30

São Mateus (70 d.C)

Mt 8.10-12 e Br 4,36-37

Mt 1.22-23 e Is 7.14 (uso da LXX – “virgem”)

Mt 21.15-16 e Sl 8.3 (uso da LXX – "da boca dos pequeninos sai um louvor". Compare com a versão hebraica que diz "do balbuciar das crianças crias força contra Teus detratores")

São Lucas (80 d.C.)

Lc 23.35-39 e Sb 2.12-20

Lc 12.16-21 e Eclo 11.18-29

At 7.14-15 e Gn 46.27 (uso da LXX – a versão grega adiciona 5 pessoas. Total de 75. Mesmo número informado por Estevão)

São João (90 d.C)

Jo 1.1-2 e Sb 9.9

Jo 1.3 e Sb 7.21-22

Jo 14.15 e Sb 6.18

Jo 1.5 e Sb 7.30

Ap 8.2 e Tb 12.15

Ap 21.18-21 e Tb 13.16-18


Na passagem grifada o termo traduzido para virgem no grego é considerado equivocado pelos judeus de Jâmnia. A palavra utilizada pelo profeta foi almah (uma mulher jovem), assim os judeus alegam que a palavra que corresponderia a uma virgem seria betulah portanto o profeta não corrobora para a heresia dos cristãos, segundo os rabinos. Perceba que o concílio judeu tinha duas características evidentes: afirmar a religião judaica, estabelecendo e redigindo o texto de acordo com sua tradição e crença; e repudiar o cristianismo. Assim como também rejeitaram a Cristo. Não seria um tanto quanto estranho dar mais crédito a estes rabinos do que a Igreja? Se basear no cânon dos judeus que rejeitaram Cristo ao invés de crer no cânon dos sucessores dos judeus que aceitaram Cristo? A Igreja Católica é fundada em Pedro, nos judeus que aceitaram e creram no Messias, vêm dos judeus. É depositária do velho e do novo testamento.

Cristo é perfeito e nos guia sem margem para dúvidas. Ele nos deixou a Santa Igreja Católica para recebermos, por meio dela, tudo o que Ele revelou e ensinou de maneira perfeita para o nosso bem.




“Sendo verdade tudo isto. não deveria rechaçar a sentença do LIVRO DA SABEDORIA, cujas palavras têm MERECIDO SER PROCLAMADAS NA IGREJA DE CRISTO HÁ TANTOS ANOS COM APROVAÇÃO DOS QUE, NA MESMA IGREJA, O TÊM LIDO, e serem ouvidos com a veneração devida à AUTORIDADE DIVINA TANTO POR BISPOS COMO PELOS FIÉIS” (Predestinação dos Santos, 27 – página 46) Santo Agostinho, sobre um dos livros deuterocanônicos, Sabedoria.


1 Comment


Karen Nunes
Karen Nunes
Sep 14, 2021

Muito bem pontuado

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